Economista, Marcela Bonfim, era outra até os 27 anos. Na capital paulista, acreditava no discurso da meritocracia. Já em Rondônia, adquiriu uma câmera fotográfica e no lugar das ideias deu espaço a imagens e contextos de uma Amazônia afastada das mentes de fora, mas latentes às vias de dentro. As lentes foram além: captando da diversidade e das inúmeras presenças negras, potências e sentidos antes desconhecidos a seu próprio corpo recém-enegrecido.
Em seu trabalho ela aborda a questão: quanto tempo demora, o negro, para se firmar nesse mundo (in)visível?
Para saber mais sobre o trabalho de Marcela Bonfim: www.amazonianegra.com.br e www.madeiradedentro.com
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Sabemos de fato quem somos? Quantas vezes nos olhamos no espelho e identificamos ali nossos traços ancestrais? Algumas pessoas criam uma imagem que não as representam, mas que são aceitas pela sociedade ou por vezes preferem, simplesmente, quebrar o espelho e não se encarar. Muitas vezes esse espelho foi quebrado pela fotógrafa Marcela Bonfim, paulistana da cidade de Jaú, 38 anos, hoje reconhecida como mulher negra e moradora na cidade de Porto Velho, em Rondônia há 11 anos.
Formada em economia pela PUC-SP a militante pela causa das populações negras e povos tradicionais era outra Marcela até os 25 anos. Ela se considerava uma negra embranquecida, acreditava no discurso da meritocracia. Ouvia dos pais que se estudasse conseguiria ter um bom emprego e ser feliz. Também baseado nesse discurso criticava as políticas de ações afirmativas, como as cotas raciais, e dizia que eram mais uma demonstração de preconceito e racismo, palavra essa que não enxergava dentro da sua realidade.
Marcela vestia por cima da pele alguns disfarces para ser aceita. Na turma do colégio recebeu o título de a mais engraçada, era a palhaça da sala de aula, a mais risonha, e assim a economista levou a vida. Acreditou em um mundo possível, com portas abertas e livre circulação, sem nenhum impedimento. Mas ela se enganou e foi durante a busca pelo primeiro emprego que o mundo dela ruiu e os disfarces não funcionavam mais, a cor da sua pele agora estava amostra.
Já em Rondônia, para enfrentar sua negritude, Marcela comprou uma máquina fotográfica, em 2012, e começou a fotografar homens, mulheres, crianças, jovens e velhos negros e negras na Amazônia em comunidades quilombolas, rituais de terreiros de candomblé, festejos religiosos, penitenciárias. O registro também buscou retratar o negro em seu emprego, na grande maioria exercido em atividades domésticas.
As lentes também captaram a resistência pela preservação da cultura e costumes e a beleza da estética negra. A fotografia foi um resgate da própria identidade de Marcela enquanto mulher negra e foi na Amazônia que ela “enfrentou” a cor de sua pele.
Lilian Campelo
Brasil de Fato | Belém (PA) | 18 de outubro de 2016